Tilt

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02/09/2018

Conheça o blog do Passadorama: Tilt! Um espaço onde Angélica Fontella, Eduardo Seabra, Lorenzo Aldé, Rodrigo Elias e Thalyta Mitsue vêm despejar sentimentos e impressões na forma de texto e outros conteúdos midiáticos.

 

Sobre perder tempo

Rodrigo Elias

01/08/2020

Dez anos depois do lançamento do álbum The Suburbs, obra-prima do Arcade Fire, ainda vivemos sob o impacto de uma nova percepção temporal, marcada pela ansiedade e pela urgência

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The Suburbs | Álbum de 2010

Experimente desenhar no papel um número 2. Não como ele aparece neste texto digitado, mas daquele jeito que você provavelmente aprendeu a manuscrever durante a sua alfabetização. Se você conseguiu fazer isso sem se esforçar muito e sem gastar tempo pensando no formato do número, talvez o trabalho da banda Arcade Fire em torno do álbum The Suburbs, lançado no dia 2 de agosto de 2010, te cause algum incômodo.

Pessoas que vivem em uma mesma sociedade e em uma mesma época partilham, entre outras coisas, um sistema narrativo. Mais do que isto, estão inseridas em um regime narrativo. Não se trata exatamente de uma “mentalidade”, tal como propôs Jacques Le Goff no início da década de 1970 (sua premissa, largamente apoiada em Lucien Febvre, depois duramente criticada, era a de que pessoas que viviam em uma mesma época tendiam a compartilhar uma visão do mundo, o que desconsiderava as diferenças culturais engendradas, por exemplo, pelas diferenças sociais – a famosa afirmação de que César e o último soldado das suas legiões compartilhavam algo).

Se, por um lado, as visões de mundo ou culturas podem variar profundamente de um grupo para o outro dentro de uma mesma sociedade (o que inclui valores, experiências e expectativas de futuro) e, de outro, seja difícil aceitar a operacionalidade da ideia de um zeitgeist, ou “espírito do tempo”, exterior às pessoas e às condições concretas de existência (fundamental, por exemplo, para o conceito materialista de “classe social”), é difícil negar completamente que os indivíduos que existem e se relacionam em um determinado tempo têm entre si algo que as conecta no plano da linguagem. Trata-se, mais do que da língua em si (incluindo os signos e os seus campos semânticos), é o complexo sistema através do qual ela organiza a experiência do tempo, ou seja, a narrativa.

O filósofo Paul Ricoeur, um dos grandes pensadores que se dedicaram aos problemas da linguagem no século XX, chamou atenção para a identidade narrativa a unir pessoas de um dado contexto. Lançando mão da noção de “imaginário”, refletiu sobre as ferramentas que faziam a ligação entre o “tempo vivido” e o “tempo do mundo”. Essa sensibilidade dentro da qual um determinado grupo em uma determinada época se forma é fundamental para a conexão entre a experiência individual e o pertencimento ao mundo. A percepção da passagem do tempo e a representação do indivíduo ou do seu grupo no mundo só podem ocorrer através da narrativa – e esta é, obviamente, criação humana, estando sujeita, portanto, a variações no tempo e no espaço.

Nos grupos humanos, quem fala algo depende, para a sua aceitação ou compreensão, do que Ricoeur chamou de “pacto de leitura”, um acordo tácito (isto é, não dito) entre o narrador (ou emissor) e o leitor (ou receptor), o que implica a aceitação, por parte da comunidade, de certos elementos como marcos do discurso no tempo – daí o reconhecimento de que todo discurso histórico (um relato “objetivo” que encadeia fatos em sequencia cronológica progressiva) tem em si um elemento ficcional. Assim, a sucessão de gerações ao longo do tempo, cada qual com a sua identidade narrativa, comporia o que o autor chama de “cadeias de memória”, isto é, de reelaboração narrativa da sua experiência no tempo.

Outro pensador francês, o sociólogo Pierre Bourdieu, elaborou o “contrato de leitura”. Essa ideia reforça a noção de que uma determinada geração partilha necessariamente elementos no plano da linguagem que tornam os seus indivíduos compreensíveis entre si, estabelecendo, por meio desta identidade narrativa, uma relação peculiar com o tempo. Para Bourdieu, ao se relacionarem através do discurso, os participantes de uma cultura lançam mão de “todos os pressupostos do senso comum”.

Não é difícil concluir, a partir deste ponto, que essa identidade narrativa vai ser diretamente afetada (e mesmo determinada, em alguma medida) pela forma através da qual as pessoas se relacionam com a ordenação discursiva da experiência no tempo. Sabemos que nenhum discurso pode conter toda a realidade pretérita, uma vez que o passado é composto por situações complexas, quadridimensionais, e não por textos (passado e história são coisas distintas, embora amiúde confundidas). Portanto, uma identidade narrativa pressupõe a escolha de determinados elementos (ou tópicos) de maneira arbitrária para ordenamento diacrônico no plano da fala ou da escrita, ou de qualquer outra forma discursiva, a partir de critérios que são compartilhados – mesmo que inconscientemente – por uma dada comunidade. Essa identidade narrativa, por sua vez, implica necessariamente a existência daquilo que eu chamo de um regime narrativo específico, que englobará não apenas este conjunto de lugares comuns da fala / escrita, ou temas, mas também os meios e suportes através dos quais esta narração ocorre – o que implica a proximidade ou distância entre os agentes, a rapidez ou morosidade da emissão e da recepção, o tempo e a qualidade da resposta, a frequência da comunicação e a sua reprodutibilidade.

Pierre Nora, um dos grandes historiadores franceses que se dedicaram ao tema da memória, ao falar sobre a necessidade da sociedade contemporânea ocidental de criar “lugares de memória” já apontou para a mudança na representação que fazemos da passagem do tempo por conta da maior produção escrita – ora, se temos mais registros escritos (ou gravados, ou fotografados, ou materializados em qualquer outro suporte, todos eles produzidos dentro de uma ordem discursiva) sobre os “fatos”, podemos enfatizar a percepção material da sucessão dos acontecimentos em uma escala cronológica evolutiva. O que Nora chamou de “aceleração da história”, entretanto, pode ser interpretado como uma percepção mais aguda da passagem do tempo, uma vez que o regime narrativo implica uma noção compartilhada de historicidade que está diretamente ligada à palavra escrita – ou relacionada com a “tecnologia do intelecto” (expressão de Jack Goody) disponível e operacionalizada neste momento, tecnologia esta, aliás, que estará disponível não apenas para o “registro” dos fatos relativos ao grupo, mas também (e principalmente) dos acontecimentos que dizem respeito ao próprio indivíduo. O sucesso editorial das biografias na atual geração (ou no atual regime narrativo) não é uma surpresa – aliás, o narcisismo deixou de ser um vício e se tornou uma característica muito aceitável e até mesmo esperada, sobretudo quando essa nova percepção do tempo coincide com uma radicalização do individualismo necessária ao triunfo – até agora – da ordem neoliberal.

Argumento, portanto, que a identidade narrativa das pessoas que amadureceram afetiva e psicologicamente antes da explosão da leitura (segundo alguns, em termos gerais, por volta da década de 1770, em meio à primeira Revolução Industrial) só pode ser diferente daquela dos grupos que se desenvolveram posteriormente – a generalização da possibilidade da circulação de escritos e a ampliação da capacidade de leitura de parte das sociedades ocidentais no final do século XVIII representa um corte cultural em relação, por exemplo, à Europa e às regiões sob sua influência direta nos séculos anteriores, e tal mudança tem relação direta com a forma como o tempo passou a ser percebido a partir das novas tecnologias do intelecto. De maneira análoga (não em termos de escala, evidentemente), para o caso que agora me interessa, os grupos que amadureceram psicossocialmente ou formaram suas identidades narrativas antes da explosão da comunicação digital em tempo real (que aconteceu no final da década de 1990) só podem ser diferentes, no plano do regime narrativo, da “geração Y” (pessoas nascidas a partir da década de 1990, às vezes chamadas de millennials).

Usando cronologia geracional ligeiramente diversa, Christy Wampole, professora de Literatura da Universidade de Princeton, publicou um texto no final de 2012 no qual identifica nos hipsters (que em geral coincidem com aqueles que chamei acima de geração Y, que estão na casa dos 30 anos) uma identidade baseada na ironia, absolutamente ligada à dependência da internet e das mídias digitais, à absorção empreendida pela vida virtual e que, de algum modo, espelha uma radicalização na percepção da passagem do tempo. Esse regime narrativo centrado na ironia (a dissimulação em todos os aspectos da exteriorização verbal ou não do ego, que denota um reconhecimento preventivo de derrota sociocultural pela qual o seu agente não pode, portanto, ser responsabilizado) decorre de uma situação material e narrativa sensivelmente diferente no que diz respeito à geração de jovens anterior, hoje adultos na casa dos 40 anos: “a vida irônica é uma resposta provisória aos problemas do excesso de conforto, do excesso de história e do excesso de opções”. Um hipster não pode ser julgado, uma vez que já julgou a si próprio.

Pessoas que conseguem desenhar um número 2 “naturalmente”, portanto, devem ter nascido antes da atual geração (a não ser que tenham aprendido ironicamente, como algo vintage…) e podem absorver melhor a forma através da qual a angústia em relação ao novo regime narrativo pode ser notada no álbum The Suburbs (Arcade Fire, 2010) e em alguns dos seus subprodutos. A geração anterior à atual, portanto, é herdeira de um momento no qual a ansiedade da existência virtual em tempo real ainda não havia se imposto (antes da década de 1990, real e virtual ainda ocupavam lugares distintos). Pessoas que nasceram entre a década de 1970 e o início da década seguinte cresceram em um momento no qual o ciclo da vida individual e coletiva, mesmo nas grandes cidades, respondia a anseios que não estavam totalmente desacreditados, um tempo em que os próprios meios digitais inovadores eram vistos como ferramentas para uma iminente alteração (positiva) do mundo pós-Guerra Fria – a maior possibilidade de integração através da tecnologia era uma última esperança em um mundo destroçado. Um momento, enfim, no qual era possível dar tempo ao outro, dispensar atenção aos demais membros da comunidade, conhecer mais profundamente os indivíduos com os quais mantínhamos algum vínculo. “Winds Of Change”, do Scorpions, lançada em 1990, é um documento daquele tipo de sentimento.

Mesmo incorporando o pathos decorrente do desânimo frente aos problemas globais, locais ou individuais, isso era feito com tristeza indisfarçada e este sofrimento não havia sido elevado a valor estético – a depressão era um ponto de chegada, não de partida, como um dado da saúde psicológica coletiva. Tome-se como exemplo disso a música “1979”, composição de Billy Corgan para o Smashing Punpkins gravada em 1996, na qual declara textualmente que “nós não sabemos onde nossos ossos descansarão / onde virarão pó, eu suponho / esquecidos e absorvidos pela terra”. Ou qualquer música composta por Kurt Cobain para o Nirvana, em seu lamento assistemático e desesperado – nada daquilo é glamorização da derrota, mas seu reconhecimento quase cristalino, e o sucesso de mercado das duas bandas talvez resida na capacidade de falar dentro de um mesmo registro narrativo geracional, de uma forma histórica de sofrimento, possível apenas em um determinado contexto. Corgan e Cobain, aliás, nasceram em 1967, e se tornaram adultos enquanto caía o Muro de Berlim, quando ruía a última alternativa ao capitalismo no século XX (pelo menos a última levada a sério). Ora, compare essas produções com qualquer película independente rodada depois de 2005 e a situação será totalmente outra. A depressão e a derrota pessoal ou coletiva como valores estéticos são um dado prévio nas narrativas de filmes como o inglês Submarine (2010), o aclamado argentino Medianeras (2011) e até mesmo o lamentável brasileiro Apenas o fim (2008) – todos sucessos hipsters (o que, aliás, não deixa de ser um paradoxo).

The Suburbs, que pode ser um bom exemplo do gap de regime narrativo / temporal existente entre a atual geração de jovens e a anterior, é um álbum temático lançado pela banda de rock canadense Arcade Fire há dez anos. As músicas, os vídeos e o curta-metragem Scenes from the Suburbs (dirigido por Spike Jonze) têm como fio condutor um certo saudosismo em relação a um passado não muito distante, localizado talvez entre o final dos anos 90 e início dos 2000. Essas obras soam como um lamento de jovens que nasceram entre o final dos anos 70 e início dos 80 (a chamada “geração X”), gravitando portanto os 30 anos de idade (na época do lançamento do álbum), e que viram aquela vida suburbana (no contexto dos Estados Unidos e do Canadá) se perder muito rapidamente. As obras em torno deste álbum tematizam a passagem do tempo através da representação do passado e, secundariamente, da relação com os então ultrajovens (os millennials). Meu argumento (que gravita entre a pretensão e a irresponsabilidade) é que, pela primeira vez na história do ocidente, duas gerações de jovens formados em regimes narrativos distintos se sobrepõem, dividem o mesmo espaço, e essa situação pode ser intuída na observação daquela obra.

Não se trata de uma ciência exata, obviamente. Mas é uma hipótese a ser considerada. Criações artísticas, incluindo poesia, literatura ou música, não demandam interpretação – embora possam ser analisadas. Não contêm, ao contrário dos cânones religiosos, ocultações que precisam ser deslindadas (assim como não necessitam, para a tarefa, de sacerdotes, agentes supostamente especializados em apreender o que nelas não está dito explicitamente). São, em si, suas próprias verdades auto-evidentes. Mais do que realidade, mimese narrativa do mundo, trata-se de verdade, invenção inerente ao discurso posto. Nesse sentido, obras de arte podem ser tomadas como sintomas de algo, mas as intenções dos seus autores e autoras (artistas, portanto) não são algo absolutamente relevante. Falo, portanto, do que consigo ver nelas.

A banda de rock indie foi fundada pelo casal Win Butler, nascido na Califórnia em 1980 e criado em uma área suburbana de Houston, no Texas, e Régine Chassagne, de família haitiana, nascida em Montreal, no Canadá, em 1977, e criada na cidade suburbana de Saint-Lambert. O grupo, famoso pelas apresentações ao vivo nas quais usam instrumentos como violino, violoncelo, acordeão e xilofone, conta com sete integrantes, todos nascidos entre 1977 e 1982. Win começou a tocar com um outro integrante em Boston em 2001, já distante do seu estado natal, e logo depois se estabeleceu em Montreal, onde se juntou à sua futura esposa, a cantora e multi-instrumentista Régine.

The Suburbs, seu terceiro álbum, sucesso de vendas e de crítica, considerado Álbum do Ano pelo Grammy Awards de 2011, já foi qualificado como “melhor” do que Pablo Honey (1993), do Radiohead. Julgamentos subjetivos à parte, The Suburbs é, sem sombra de dúvidas, o álbum no qual a banda conseguiu imprimir com mais sucesso um universo temático coeso, percebido tanto na sua dimensão melódica quanto na estrutura poética – trata-se, em termos estéticos formais, de um poema épico sobre a dissolução da modernidade, dividido em dezesseis faixas. Embora o álbum seguinte, Reflektor (2013), traga em sua concepção geral um apelo explícito à forma épica (explora, em um núcleo específico, o tema amoroso de Orfeu e Eurídice), o álbum de 2013 já apresenta uma transição para um cosmopolitismo mais eclético, que ficou bem configurado em Everything Now, de 2017.

Arcade-Fire

Arcade Fire | happymag.tv

Voltemos, portanto, a 2010 e à primeira faixa de The Suburbs, música que dá nome ao álbum. A letra da música trata de um mosaico coerente de memórias da vida no subúrbio, onde o eu lírico aprendeu a dirigir. Fala de uma guerra suburbana, da qual não havia muita esperança de sobreviver e na qual amigos podiam acabar ficando em lados opostos. A primeira parte da música é concluída com um certo sentimento de resignação, parece afirmar que as mudanças drásticas ocorrem mas o narrador e seus interlocutores são impotentes em relação às mesmas (“quando as primeiras bombas caíram / nós já estávamos entediados”). A letra continua a desfiar elementos diluídos ao longo do tempo, e a indiferença ou a incapacidade que a nova geração tem de apreender o sentido das mudanças em curso (“a garotada quer tanto ser / mas em meus sonhos ainda estamos gritando / e correndo pelo jardim / quando todos os muros que construíram nos anos 70 finalmente caírem / e todas as casas construídas nos anos 70 finalmente caírem / não significou nada? / não significou nada.”).

A esperança é transmitir aqueles sentimentos de pertencimento a uma outra geração, através dos filhos; uma geração que tenha capacidade de se relacionar com os outros (e com elementos de um outro tempo) de uma forma mais detida, menos superficial; uma geração capaz de enxergar uma beleza que talvez não seja irônica (“então, você pode entender / por que eu quero uma filha enquanto ainda sou jovem? / quero segurar a mão dela / e mostrar alguma beleza / antes que o estrago esteja feito / mas se isso é pedir muito / então me mande um filho”). “Suburban War”, a nona música do álbum, é uma espécie de epílogo antecipado (?!) da primeira faixa, uma vez que reitera o gap entre as gerações X e Y em termos de uma destruição do tecido sobre o qual os afetos daquele primeiro grupo foram entrelaçados. Além de repetir os primeiros versos da primeira música, que situam afetivamente e geograficamente o pertencimento a uma outra ordem do tempo e que serve como âncora para todo o álbum, um tempo de vida que ainda não se confundia com a vida mediada pelas redes sociais digitais (“Nos subúrbios eu / eu aprendi a dirigir…”), a melodia, que remete à ode nostálgica que é “Turn! Turn! Turn!”, dos Byrds (1965), oferece ao ouvinte hoje quarentão a sensação, mesmo que por menos de cinco minutos, de “assistir um filme antes da existência dos telefones celulares”, como escreveu recentemente o crítico Steven Hyden. Definitivamente, uma sensação que pessoas de trinta anos ou menos podem imaginar, mas não podem sentir.

O desconforto em relação à geração de jovens atual fica mais explícito na quarta música do álbum, “Rococo”. De início, o narrador propõe uma incursão neste mundo: “vamos para o centro da cidade observar os garotos modernos / eles vão comer na sua mão / usando palavras ótimas e grandes que eles não entendem”. Como alguém que já experimentou algo, que viu algo que está se perdendo, sentencia sobre a atitude dos neófitos e o descolamento entre eles e a consciência do mundo: “eles parecem selvagens / mas são tão mansos…” (…) “eles querem te vencer / mas não sabem o jogo que estão jogando.”

Outras músicas do álbum seguem coerentemente esse liame, a experiência compartilhada de uma relação com o tempo que já se perdeu, a exemplo da belíssima “Sprawl II (Mountains Beyond Mountains)” – “Nós guiamos nossas bicicletas até o parque mais próximo / sentamos sob os balanços e nos beijamos no escuro…”. Música que ainda evoca uma paisagem decadente, com shoppings abandonados que se perdem na paisagem suburbana… Paisagem intuída, ainda, em “Wasted Hours”, uma balada que trata o passado de uma forma ao mesmo tempo doce e acre, e com uma dose de idealização compreensível quando miramos nossa adolescência analógica a partir de um mundo pós-Facebook – era seguro viver em um tempo no qual o futuro ainda estava em aberto, era cheio de possibilidades. Mas este tempo acabou (“todas aquelas horas perdidas, que conhecíamos / perdíamos o verão olhando pela janela” … “horas perdidas, antes de sabermos / onde ir e o que fazer”). Entretanto, como pessoa que amadureceu naquele regime narrativo, com aquela relação com o tempo, que podia ser desperdiçado e isto era um valor em si, o eu lírico acaba por andar desencontrado na nova ordem, mesmo com o consolo do amor ou da amizade, que só podem ser profundos quando o outro compartilha a mesma relação com o tempo (“desejando que você estivesse em qualquer lugar menos aqui / você viu a vida que você vivia desaparecer / e agora eu entendo, ainda somos garotos em ônibus com saudade de quando éramos livres”).

Scenes from the Suburbs, o curta-metragem lançado em 2011, dirigido por Jonze (famoso por Quero ser John Malkovich, de 1999, Onde Vivem os Monstros, de 2009 e, mais recentemente, Ela, de 2013) e escrito por ele e pelos irmãos Win e Will Butler (também do Arcade Fire), sintetiza, através de um enredo ficcional, várias dessas questões relacionadas ao tempo, à memória e aos descompassos em relação ao presente.

A trama é relativamente simples: pouco depois do início da Guerra do Golfo, em 1990, as cidades norte-americanas tomaram partidos diversos, se armaram e começaram a lutar umas contra as outras. No cenário de guerra urbana (ou suburbana), um grupo de garotos e garotas entre os seus 14 e 16 anos tenta manter uma rotina normal: andam de bicicleta, namoram, passeiam de carro, bebem e usam drogas longe dos olhares vigilantes dos adultos ou das autoridades. Kyle, o protagonista-narrador vivido por Sam Dillon, vê subitamente desgastada e rompida sua relação de proximidade com o seu melhor amigo, Winter (Paul Pluymen). Ao contrário do que seria esperado em uma história padrão de adolescentes crescendo (coming-of-age, um gênero muito comum nas narrativas ficcionais), pelo menos para o gosto do cinema comercial dos nossos dias, a tensão básica não está em uma vinculação de caráter sexual ou nos conflitos entre pais e filhos, mas na ruptura de um forte laço de amizade. A história é a lembrança de Kyle sobre aqueles eventos.

O filme de 28 minutos tem dois textos, o narrado explicitamente pelo protagonista ou encadeado pelo desenrolar da trama e, obviamente, a trilha sonora, toda extraída do álbum The Suburbs (aliás, o próprio videoclipe desta música é sacado do curta-metragem). É interessante notar, entretanto, que o enredo ficcional criado pelo diretor e pelos roteiristas funciona como uma espécie de condensador temporal, onde as transformações que em geral ocorrem ao longo de uma geração – como as mudanças de cidade que os indivíduos podem sofrer, a morte de integrantes de um grupo, a perda de contato, a escolha de caminhos profissionais ou pessoais inesperados, enfim, quaisquer fatores desagregadores de um grupo de pessoas no início da juventude, o que geralmente chamamos de “crescer” – se dão muito rapidamente, na medida em que as cidades entram em guerra e um outro elemento desestabilizador entra em cena.

Este novo elemento é o irmão mais velho de Winter, um militar que possui sobre o irmão mais jovem uma ascendência tirânica. Com a entrada deste elemento, que impõe ao garoto uma rotina vigiada e uma postura totalmente diferente da vida relativamente descompromissada (ou normal) que levava com os amigos, desfaz-se o grupo. A violência da guerra, tão evidente nas ruas daqueles subúrbios, é reproduzida dentro da casa do rapaz – da postura que deve adotar à mesa, passando pelos novos horários ao novo corte de cabelo, de estilo militar. Mas, na memória afetiva de Kyle, o que ele guarda daquele passado recente não é exatamente a guerra, não são as cenas violentas nas ruas, os assassinatos a sangue frio, os soldados, os helicópteros, as barreiras nos limites dos bairros, as bombas caindo. Para Kyle, aquele foi o verão no qual Winter cortou o cabelo.

Ora, elementos banais deflagradores de uma memória afetiva, pessoal ou de grupo, não são exatamente uma novidade narrativa – basta lembrar das madalenas que desencadeiam as lembranças do narrador de Em busca do tempo perdido (1913-1927), romance de Marcel Proust, ou do canteiro de morangos que transporta o velho doutor Isak Borg diretamente para a juventude em Morangos Silvestres (1957), filme de Ingmar Bergman. O diferencial de Jonze e cia., neste caso, é expor uma angústia geracional, a dissolução de um espaço-tempo que só existe enquanto relação entre os seus agentes, e que é percebida no exato momento em que o protagonista se depara com o fato de que o mesmo lugar e as mesmas pessoas já não fazem parte daquele contexto afetivo que os vinculava. Sua memória vem à tona no momento em que avista Winter, a quem já não conhece mais, com o cabelo curto.

“Deep Blue”, décima segunda faixa do álbum, se refere explicitamente à passagem do tempo, especificamente da década de 1990, como sendo a última na qual se podia viver em uma ordem temporal confortável. “Aqui, em meu lugar e tempo / e aqui na minha própria pele / eu posso finalmente começar / deixo o século passar por mim / sob o céu noturno / o amanhã não significa nada”. O título da música, que pode ser traduzido como “Tristeza Profunda”, é, também, o nome do supercomputador construído pela IBM e que costumava perder para o campeão mundial de xadrez Garry Kasparov. Tratava-se, talvez, do último momento no qual uma geração de jovens não estava totalmente dependente das novas tecnologias e da interação digital. O ser humano ainda podia se sobrepor às máquinas da comunicação, mas isso estava mudando: “Kasparov, Deep Blue, 1996 / sua mente fazendo truques agora / o show acabou, então aceite / estamos vivendo nas sombras”. Em 1997, Deep Blue venceu Kasparov.

A percepção aguda de deslocamento em relação ao presente é ainda mais patente na música “We Used to Wait”, bem como no vídeo interativo feito para a internet. A letra é inequívoca ao tratar especificamente da mediação da vida (ou da sua percepção) através de um regime narrativo. Os primeiros versos já deixam isso bem evidente: “Eu costumava escrever / eu costumava escrever cartas, eu costumava assinar meu nome”. Difícil ser mais direto quanto à mudança na relação com a palavra escrita no espaço de menos de duas décadas. A letra segue, na mesma linha, identificando a diferença entre o hoje e aquele passado recente, o que também pode indicar a dificuldade que a geração anterior de jovens (“X”) tem em se relacionar com uma geração formada em outro regime, o atual (“Y”/ millennials): “Quando nos conhecemos, os tempos já haviam mudado”.

A nostalgia é evocada quando o narrador lamenta uma inação (não ter escrito algo sincero para alguém). Ele não fez algo naquele tempo, e não pode mais fazê-lo no presente, uma vez perdido o contexto afetivo e transformado o regime narrativo. “Então, eu nunca escrevi uma carta / eu nunca abri meu coração e escrevi / então, quando as luzes se apagaram / eu tinha sido deixado no meio da cidade selvagem”). A percepção da rápida transformação é evidente, bem como a angústia que acarreta: “Agora nossas vidas estão mudando rapidamente / espero que algo puro permaneça”.

A segunda parte da canção parece resultar totalmente da percepção de mudança no regime narrativo, justamente no reconhecimento de que a ansiedade hoje presente nas relações humanas era mais tênue há muito pouco tempo – ou menos dominante, na pior das hipóteses. “Parece estranho / como costumávamos esperar as cartas chegarem / mas o que é mais estranho / é como uma coisa tão pequena pode te manter vivo”.

Ou seja: ao contrário do que se faz hoje, por conta das tecnologias disponíveis e do tipo de cobrança que isso acaba permitindo nas relações interpessoais, o outro possuía um espaço-tempo para absorver e reelaborar um discurso, assim como se posicionar frente a ele e emitir uma resposta (e, mesmo para além das relações intersubjetivas de afeto, o regime narrativo anterior oferecia um certo limite ao domínio do capital sobre o tempo da vida, o que foi formalmente abolido com a acessibilidade permitida pelas ferramentas digitais de comunicação, o que agora, em tempos pandêmicos e de domínio do teletrabalho, fica ainda mais evidente). Além disso, o indivíduo em interação a partir de discursos possuía menos opções para escolher, uma vez que os estímulos sociais ocorriam em uma escala muito menor – havia menos discurso disponível. Em tempos de programas de comunicação pessoal com notificação de leitura e utilizando dispositivos portáteis, não sabemos mais esperar. Há, evidentemente, toda uma geração amadurecendo dentro deste novo regime narrativo, que tem, à sua disposição, novas tecnologias do intelecto.

Já há descrição de patologias psicológicas vinculadas ao uso intensivo da internet, para além das óbvias implicações sociais e políticas do seu domínio enquanto ambiente comunicacional no capitalismo avançado. Entretanto, mais importante do que isso – pelo menos para a ideia de regime narrativo – é o fato de que o impacto desta possibilidade de conexão universal em tempo integral nas relações sociais e no desenvolvimento psicológico e afetivo já se converteu em uma nova ordem do discurso. O que já pode ser percebido em alguma escala, sobretudo nos grandes centros urbanos (mas não apenas), é uma alteração da sensibilidade em relação ao tempo. Isto já é patente no descolamento percebido por uma geração nascida até o início da década de 1980 em relação à nova ordem. Nem sempre verbalizado, este descolamento existe sob forma de angústia ou depressão clínica (que já atinge níveis epidêmicos), e também já se desdobrou em uma nova postura em relação às antigas instituições – familiares, religiosas, políticas. The Suburbs foi lançado em 2010, por jovens adultos na casa dos 30 anos, que foram adolescentes em uma época na qual movimentos sociais precisavam, para ter impacto político real, de um grande enraizamento na sociedade, dialogando e agindo através de instituições tradicionais – partidos, sindicatos, associações tradicionais dos mais variados tipos. Em 2011, os Indignados, em Madri, e o Occupy Wall Street, em Nova York, inauguraram manifestações maciças convocadas através das mídias sociais digitais por estudantes (millennials), que agiram por fora das instituições tradicionais e que evidenciavam uma relação diferente com o tempo e com a sua urgência. O mundo nunca mais foi o mesmo.

O vídeo interativo (www.thewildernessdowntown.com), dirigido por Chris Milk e desenvolvido em parceria com o Google para a música “We Used to Wait”, permite que o usuário insira o endereço no qual passou a adolescência – onde cresceu e, portanto, começou o processo de amadurecimento psicossocial. A partir daí, mescla imagens de uma pessoa correndo por ruas desertas de um subúrbio com imagens do Google Maps e do Google Street View (no meu caso, pesadelo freudiano, consegui ver o meu pai em frente à casa na qual cresci). É difícil expressar em texto o impacto da combinação entre a música e o vídeo. Vale, entretanto, mesmo que dez anos depois, fazer a experiência e tentar perceber até que ponto você está confortável com o mundo no qual vive. Na melhor das hipóteses, vai assistir um vídeo divertido e ouvir uma boa música. Na pior, vai voltar a usar uma agenda manual.

(A versão original deste texto foi publicada no site da falecida Revista de História da Biblioteca Nacional em 30/01/2013)

 

Link do post: https://passadorama.com/tilt/sobre-perder-tempo

Faça-nos um favor

H. Holden Thorp (editor-chefe da revista Science)

13/03/2020

“Faça-me um favor, apresse isso, apresse isso.” Isso foi o que o presidente dos Estados Unidos Donald Trump, disse a National Association of Counties Legislative Conference (uma espécie de associação nacional de municípios do país), relembrando o que ele já havia dito aos executivos farmacêuticos sobre o progresso em direção a uma vacina para a síndrome respiratória aguda-coronavírus 2  (SARS-CoV-2), o vírus que causa a doença coronavírus 2019 (COVID-19). Anthony Fauci, o líder de longa-data da National Institute of Allergy and Infectious Diseases (Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas), tem recorrentemente informado ao presidente que o desenvolvimento de vacinas levará pelo menos um ano e meio – a mesma informação transmitida pelos executivos farmacêuticos. Aparentemente Trump achou que o fato de repetir o seu pedido iria mudar o resultado.

A China vem sendo justamente criticada por suprimir tentativas de cientistas de reportar informações durante o surto. Agora, o governo dos Estados Unidos está agindo de forma similar. É inaceitável o fato de que Fauci e outros cientistas do governo tenham sido informados que todos os comentários públicos precisem de aprovação do vice presidente Mike Pence. Este não é o momento de alguém que nega evolução, mudanças climáticas, e os perigos do fumo, moldar a mensagem para o público.  Ainda bem que Fauci, Francis Collins (diretor do U.S National Institutes of Health –NIH –  Instituto Nacional de Saúde), e seus colegas distribuídos em várias agências federais estão dispostos a resistir e gradualmente estão transmitindo a mensagem.

Enquanto cientistas estão tentando compartilhar informações sobre a epidemia, o governo bloqueia esses fatos ou os contradizem. Taxas de transmissão e de letalidade não são medidas que podem ser modificadas por meio de vontade ou de uma apresentação enérgica e demonstrativa. O governo tem afirmado recorrentemente – assim como na semana passada – que a transmissão do vírus está sob controle nos Estados Unidos, porém está claro pelas evidências genômicas que a disseminação através da comunidade está ocorrendo no Estado de Washington e além. Este tipo de distorção ou negação de fatos é perigosa e provavelmente contribuiu para a resposta lenta do governo federal. Após três anos de debates sobre se as palavras do governo importam ou não, as palavras são agora claramente um caso de vida ou morte.

Mesmo que os passos necessários para que uma vacina seja produzida possam ser mais eficientes, muitos desses dependem de processos biológicos e químicos que são essenciais. Então o que o presidente disse foi praticamente o mesmo que dizer “Faça-me o favor, apresse esse motor de dobra espacial.”

Eu não espero que políticos conheçam as equações de Maxwell para eletromagnetismo ou a reação de Diels-Alder (apesar de eu poder sonhar com isso). Mas, você não pode insultar a ciência quando não gosta dela e de repente insistir em algo que a ciência não pode dar sob demanda. Nos últimos quatro anos o orçamento do presidente Trump apresentou cortes consideráveis na ciência, incluindo cortes em financiamento para os Centers for Disease Control and Prevention (Centros de Controle de Doenças e Prevenção) e a NIH. Com a desvalorização que este governo demonstrou em relação à ciência da Environmental Protection Agency (Agência de Proteção Ambiental), da National Oceanic and Atmospheric Administration (Administração Oceânica e Atmosférica Nacional – NOAA), e com a nomeação de um diretor para o Office of Science and Technology Policy (Órgão de Políticas Científicas e Tecnológicas) somente para apoiar os objetivos políticos, o país tem vivido praticamente quatro anos agredindo e ignorando a ciência.

Agora, de repente o presidente precisa da ciência. Mas, os séculos que que passamos esclarecendo princípios fundamentais que governam o mundo natural – evolução, gravidade, mecânica quântica – envolveram a construção de bases de conhecimento para sabermos o que podemos ou não fazer. Foi provado ao longo dos anos que os processos com que os cientistas acumulam e analisam evidências, aplicam raciocínio indutivo e reportam seus achados para uma análise crítica feita por seus pares, levam ao conhecimento robusto. Estes processos estão sendo aplicados à crise do COVID-19 através de uma colaboração internacional que tem se dado em uma velocidade sem precedentes. A revista Science publicou dois novos artigos no início deste mês sobre o SARS-CoV-2 e outros mais estão a caminho. Porém os mesmos conceitos que são utilizados para descrever a natureza são utilizados para criar novas ferramentas. Então, pedir por vacinas e distorcer ciência ao mesmo tempo é muito contraditório.

A vacina precisa ser feita de acordo com as bases científicas fundamentais. Tem que ser possível de ser manufaturada, tem que ser segura. Isso pode levar um ano e meio ou até mais tempo. Executivos farmacêuticos apresentam todos os incentivos para o desenvolvimento rápido – pois eles irão vender as vacinas – mas, ainda bem que eles também sabem que não se pode quebrar as leis da natureza para se chegar ao resultado.

Talvez a gente tenha que estar feliz. Há três anos atrás o presidente declarou o seu ceticismo em relação à vacinas e tentou lançar uma força-tarefa anti-vacina. Agora ele de repente ama vacinas.

Mas, faça-nos um favor, senhor presidente: se você quer uma coisa, comece a tratar a ciência e seus princípios com respeito.

Tradução: Isabela Lima

Publicação original:
Science 13 Mar 2020. Vol. 367, Issue 6483, pp. 1169.DOI: 10.1126/science.abb6502

Disponível em: https://science.sciencemag.org/content/367/6483/1169.full

Link do post: http://www.passadorama.com/tilt/faca-nos-um-favor

Foi “abatido” na contramão, atrapalhando o trânsito, mas garantindo uma euforia matinal

Angélica Fontella

20/08/2019

Em um país onde menos da metade dos estados produz dados transparentes sobre a resolução de homicídios, o trabalho das Polícias Militares (PM) se confunde com a atuação de um carrasco. Para as forças policiais, a execução da pena de morte é mais do que autorizada – embora seja formalmente ilegal -, é celebrada, recompensada e raramente questionada. Ratificando o óbvio: isso é precisamente o oposto de defender a vida.

No calor dos acontecimentos desta manhã, no Rio (RJ) – quando um ônibus da empresa Galo Branco (Jardim Alcântara x Estácio) foi sequestrado por um homem, posteriormente “abatido” (para usar a expressão do governador do estado) pela PM – é importante lembrar que vivemos em um mundo em que o porta-voz da corporação fala à imprensa, depois da morte do sequestrador: “Essa é a polícia que queremos ver”. Será? A lógica que comanda a PM é uma lógica militar, desenvolvida para a guerra, para o matar ou morrer. Contudo, nem os próprios policiais querem ser treinados para isso: uma pesquisa de 2014 revelou que mais de 70% dos policiais brasileiros defendem a desvinculação entre polícia e Exército.

Em um exemplo perfeito de duplipensar, outros termos do governador merecem destaque: após revelar que vai “promover os atiradores por bravura”, ele explica que “foi uma ação que mostra quanto a nossa polícia militar é preparada para preservar vidas”. Garantir e celebrar o “abate” no lugar de promover a investigação e a prevenção de crimes – ou seja, em vez de usar a inteligência – não é estratégia de segurança pública, é estratégia de extermínio em massa que, eventualmente, pode se tornar indiscriminado (embora seja indiscutível que, nesse momento, negros pobres são os que mais morrem no Brasil).

Nesse ínterim, seguimos com uma imprensa que, em vez de questionar esse léxico empregado pelas figuras de autoridade ou a militarização da polícia, acaba abraçando todo esse raciocínio letal. O costumeiro, para a grande mídia, é precisamente reforçar o discurso da guerra entre vilões (“bandidos”/”traficantes”/”marginais”) x heróis (polícia): as imagens do “abate” estão aí repercutindo, bem como “os enormes congestionamentos”, como uma pequena demonstração disso. Esse discurso simplifica o entender do mundo, contribui para a construção de estereótipos e também acaba autorizando a celebração de mortes. Ratificando o óbvio novamente: celebrar o “abate” não é, nem nunca será defender a vida.

*Na imagem, ônibus da empresa Galo Branco que circulava na década de 1970 / Facebook: grupo Memória de São Gonçalo

Link do post: http://passadorama.com/tilt/foi-abatido-na-contramao-atrapalhando-o-transito-mas-garantindo-uma-euforia-matinal

 

Uma proposta modesta para salvar o Brasil

Por Um Patriota

13/07/2019

É uma grande tristeza andar hoje pelas grandes cidades brasileiras, bem como viajar pelo interior do país, e ver as avenidas, as calçadas, os espaços públicos em geral tomados por jovens mulheres pedintes, sempre acompanhadas por três, quatro, às vezes seis crianças maltrapilhas importunando transeuntes enquanto tentam vender alguma quinquilharia ou pedem esmola. Essas mães, que por conta da falta de qualificação não estão aptas para o trabalho, se veem obrigadas a empregar seu tempo perambulando enquanto imploram para o sustento dos seus filhos. Estes, quando crescem, vão engrossar as fileiras do tráfico de drogas ou viram massa de manobra de certos políticos, em situação que pode descambar em uma “venezuelização” do Brasil. Dados de 2018 apontam que apenas em São Paulo, a cidade mais rica do país, há 107 mil pessoas vivendo nas ruas.

Acredito que todos os grupos políticos – mesmo os de esquerda, que, conforme afirmou o presidente da República, gostam de pobres – concordam que a enorme quantidade de crianças em situação de miséria torna o momento difícil pelo qual o Brasil passa especialmente dramático; os mesmos grupos, independentemente da coloração partidária, concordariam que aquele que elaborasse uma medida eficaz, justa, barata e fácil para transformar aqueles brasileirinhos em membros úteis da Pátria mereceria ter sua estátua erguida em praça pública.

Entretanto, minha intenção não se restringe a lidar apenas com o problema das crianças “pedintes”. Ao contrário, minha proposta tem uma extensão bem maior, e procura abranger todas as crianças até certa idade e que são filhas de pais com poucas condições de garantir seu sustento – e que, na prática, vivem em condições semelhantes às daquelas que vivem nas ruas a pedir.

Da minha parte, tendo guiado minha atenção para tal assunto durante vários meses, e tendo amadurecido e ponderado outras propostas, percebi que as soluções até agora sugeridas possuem erros grosseiros – inclusive em matéria de cálculo. É verdade que uma criança pode ser alimentada exclusivamente através da amamentação durante o seu primeiro ano de vida, sem muito dispêndio com complementos alimentares – complementos que podem ser custeados com a mendicância ou com outros tipos de esmola, como o Bolsa Família. É justamente a partir de um ano de idade que eu proponho uma solução que, ao invés de deixar que as crianças sejam um fardo para suas famílias, para a sociedade e para o já ineficiente Estado, elas contribuam para o sustento de milhares – ou mesmo de milhões – de brasileiros e brasileiras.

Há uma outra grande vantagem no meu plano: a prevenção do aborto, esta prática horrível através da qual as mulheres assassinam os fetos, algo tão frequente entre nós. Matar bebês ainda no útero, uma prática que as tais feministas defendem com tanto entusiasmo, é uma atitude que enche de lágrimas até mesmo os olhos daqueles mais insensíveis.

De acordo com o IBGE, o Brasil tem hoje 208 milhões de habitantes. Destes, cerca de 25 milhões são mulheres em idade fértil. Cerca de dez milhões destas têm condições de, com seus companheiros, manter seus filhos com recursos próprios – um número que tem caído com a atual crise, herdada dos desgovernos de esquerda e de “defensores dos direitos humanos”. Assim, contando as mulheres que vivem em situação de pobreza – sejam as que criam seus filhos através dos diversos tipos de esmola ou as que optam pela abominável prática do aborto – e levando em consideração a taxa de natalidade do país, temos no Brasil, anualmente, o nascimento de cerca de um milhão e meio de crianças abaixo da linha de pobreza.

A questão que se coloca, portanto, é a seguinte: como continuar sustentando uma nova Goiânia, ou Belém, ou Porto Alegre em número de habitantes por ano na atual situação econômica? As soluções até agora propostas, que apelam para o “coitadismo” e para a cobrança de impostos sobre quem produz riqueza por seus próprios méritos, não oferecem uma saída definitiva. As crianças que vivem em tal situação não podem, por conta de uma legislação intervencionista que proíbe o trabalho de indivíduos menores de 16 anos (equívoco apontado pelo grande liberal Mises no início do século XX), ser empregadas em atividades produtivas, seja no campo ou na cidade, onde poderiam servir de mão de obra muito mais econômica. A legalização do trabalho infantil, sugerida pelo presidente da República, falha apenas por inchar um mercado de trabalho que já possui um excedente de 14 milhões de pessoas. Em geral, o caminho mais aberto para os menores pobres é o do criminalidade: como a legislação defende bandidos que ainda não completaram 18 anos de idade, a vida à margem da lei acaba sendo uma escola para a arte do crime já a partir dos seis ou sete anos. Mesmo nessas condições, apesar da visão sobre a “rentabilidade” da vida dessas crianças e adolescentes que escolhem a ilegalidade, o retorno financeiro para os pais é muito pequeno. Não é suficiente nem mesmo para cobrir os custos do sustento até os sete anos de idade. Quando o caminho escolhido não é o do crime, estes indivíduos acabam superlotando escolas públicas e universidades, principalmente através do nefasto mecanismo das cotas, que divide o país entre negros e brancos, gerando para o Estado brasileiro um gasto incompatível com as necessidades da economia atual.

Apresento, portanto, de forma humilde, minhas próprias ideias para solucionar o enorme problema, e espero ser compreendido.

Fui assegurado por um cidadão norte-americano muito bem informado que uma criança saudável e bem nutrida é, com um ano de idade, a comida mais deliciosa, nutritiva e completa – seja assada, grelhada ou cozida. E eu não tenho a menor dúvida de que tal carne poderia igualmente ser bem aproveitada em um estrogonofe ou como recheio para salgados como os vários tipos de coxinhas gourmet vendidas nas mais bem frequentadas padarias de São Paulo ou de Curitiba, ou ainda como preciosidades nos cardápios das hamburguerias mais descoladas do centro-sul do país. Além disso, trata-se de um alimento low carb, dieta que faz bastante sucesso entre os praticantes de crossfit.

Sugiro, humildemente, que se considere preservar 15% das um milhão e meio de crianças para fins reprodutivos – e destas, apenas ¼ do sexo masculino, uma razão ainda maior do que aquela que é utilizada para o gado bovino (como as classes mais pobres são menos apegadas aos valore familiares, como prova a própria quantidade de nascidos de pai desconhecido naquele grupo, é mais do que razoável que um homem sirva a quatro mulheres para fins reprodutivos). Assim, ainda teremos anualmente 1.275.000 crianças com um ano de idade que poderiam ser vendidas em um mercado de alimentação exclusivo – sempre aconselhando as mães que amamentem bastante os bebês no último mês, de modo a engordá-los e, assim, fazê-los mais adequados a variados tipos de preparo. Uma única criança poderia render até dois jantares festivos para famílias pequenas, ou mais de uma dezena de pratos bem elaborados em bons restaurantes – sem contar que as sobras ou partes menos carnosas poderiam ser aproveitadas em tortas, caldos ou outros tipos de receita. Uma criança nascida com o peso de 3Kg pode triplicar de peso em um ano, podendo facilmente chegar aos 10 ou 12Kg se nutridas adequadamente.

É compreensível que, por conta da raridade, esta carne tenha um alto preço no mercado, motivo pelo qual deverá ser destinada ao consumo de pessoas ricas, como políticos, empresários, acionistas de setores como o bancário e o agronegócio, militares de alta patente e líderes religiosos bem-sucedidos – em resumo, grupos que, por já terem devorado os pais, parecem ser os mais habilitados a se servirem dos filhos.

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José Cruz/Agência Brasil (imagem, até onde se sabe, meramente ilustrativa)

A carne de crianças poderá ser produzida com regularidade durante todo o ano, embora as maiores safras aconteçam em novembro – fruto das relações sexuais consumadas durante o carnaval. Assim, embora o mercado possa ter um abastecimento regular durante o ano inteiro, é provável que uma quantidade maior da iguaria mais tenra esteja disponível para as festividades de Natal e de Ano Novo, o que ainda traz a vantagem colateral de diminuir entre nós a quantidade de pessoas que são frutos das relações geralmente impuras da folia carnavalesca – o que seria mais um argumento cristão para a medida.

Calculei os gastos com a nutrição de uma criança nascida de pedintes (incluindo aí as beneficiárias do Bolsa Família) em R$ 492 por ano – abrangendo ainda trapos para vestir. Acredito que um cidadão de bem não se furtaria a pagar o dobro deste valor por um indivíduo de um ano de idade, o que equivaleria a um preço, por quilo, de R$ 82,00, o dobro do preço da picanha bovina ou metade do preço do camarão rosa – uma bagatela para um jantar refinado em Campos do Jordão ou na Barra da Tijuca. Assim, a progenitora da criança fornecida a este mercado de elite pode ter um lucro de 100% e ficar livre para realizar algum tipo de trabalho enquanto produz outra ninhada.

Além da venda direta para o consumo de carne, a indústria pode tirar mais proveito do novo mercado, por exemplo, utilizando a pele para a produção de artigos de luxo, como luvas, calçados ou outros artigos para a prática de esportes de elite como tênis e golfe – o que seria muito eficiente para a retomada do crescimento econômico, já que este é um mercado destinado a pessoas que ficam cada dia mais ricas.

Ainda quanto ao suprimento do mercado, a carne que atravessa o processo industrial pode ser muito bem aproveitada, chegando aos melhores açougues e demais lojas de conveniências já cortada e embalada, podendo as partes menos nobres ser vendidas em supermercados comuns, atendendo a uma parcela da classe média. Aconselha-se, entretanto, principalmente para ocasiões especiais, que a criança seja comprada ainda viva para que o tempero e todo o prepara possa ser feito com o alimento ainda fresco, como se faz no caso dos leitões assados.

Uma pessoa muito importante, um verdadeiro patriota, cujas virtudes eu estimo grandemente, fez recentemente uma digressão sobre o tema para oferecer alguns refinamentos ao meu plano. Ele afirmou que muitos homens de bem do país, tendo em vista a escassez e o encarecimento de certos alimentos mais raros e sofisticados, como a lagosta e o palmito juçara, consumidos quase até a sua extinção, poderiam considerar para este mercado a carne de jovens moças e rapazes entre doze e quatorze anos de idade. Deste modo, ele argumentava, um grande número de indivíduos de ambos os sexos e que estão à beira da inanição e sem trabalho em várias regiões poderia ser vendido por seus pais. Entretanto, com todo o respeito ao meu amigo, não posso concordar com o argumento. Em relação aos jovens machos, fui assegurado pelo já mencionado cidadão norte-americano, a partir de uma larga experiência, que esta carne é geralmente dura e muito magra, e seu gosto muito desagradável – o que demandaria um processamento industrial caro demais para tornar o alimento palatável e próprio para preparos muito sofisticados. Em relação às fêmeas, tal medida seria antieconômica, uma vez que as mesmas estão a poucos anos de se tornarem fornecedoras de carne. Além disso, não é improvável que algumas pessoas mais escrupulosas possam desaprovar tal prática (embora isso seja injusto), dizendo que a mesma beira a crueldade – o que, eu assumo, tem sido minha maior objeção em relação a qualquer outro projeto, por mais que sua intenção seja benéfica.

Em favor do meu amigo, ele confessou que tal ideia foi colocada em seu horizonte por um nativo de uma comunidade autônoma localizada em uma ilha no sul da Ásia. Vinte anos atrás, ele o conheceu e ficou sabendo de uma prática corriqueira naquela localidade: quando algum jovem era condenado à morte, o carrasco vendia sua carcaça para as pessoas mais importantes da região como um artigo muito valioso. Em certa ocasião, uma moça de quinze anos e um tanto rechonchuda que havia sido executada por ter tentado envenenar o maior potentado local acabou tendo as partes do seu corpo vendidas para altos membros do governo – e o seu preço alcançou uma pequena fortuna. O fato é que, embora o Brasil não fosse piorar em termos sociais se adolescentes fossem vendidas para este propósito, as moças pobres daqui já têm sido exploradas em outro tipo de atividade.

Algumas pessoas, sobretudo aquelas mais sensíveis, têm se preocupado com o grande número de pobres que são velhos, doentes ou que estão em estado de invalidez permanente. De início, também me pus a pensar sobre a questão. Entretanto, a Reforma da Previdência, recentemente aprovada, garantiu que os idosos mais pobres, bem como aqueles que recebem benefício por invalidez, tenham cada vez mais dificuldade para conquistar algum tipo de amparo estatal, tendo inclusive seus benefícios reduzidos de imediato, o que levará tal parcela da população ao desaparecimento muito brevemente. Assim, a solução para a questão já foi heroicamente dada pelo Congresso Nacional e por iniciativa do Executivo. O mesmo tipo de preocupação afligiu-me inicialmente em relação à pobreza que grassa na zona rural brasileira. A Reforma da Previdência, ao impor barreiras quase intransponíveis para que aquela parcela da população consiga meios de sobrevivência no futuro, e com o auxílio dos agrotóxicos venenosos recentemente liberados no país, também deu conta do problema. Assim, este peso que representa os pobres idosos da cidade e do campo logo estará eliminado.

Tendo fugido bastante do assunto, voltemos agora ao tema principal. Acredito que as vantagens da minha modesta proposta são óbvias e muito numerosas, bem como da maior importância.

Em primeiro lugar, como já observei, diminuiríamos enormemente a quantidade de indivíduos originários de relações imorais – que já invadiram a sociedade brasileira, sendo os que mais se reproduzem, constituindo, assim, uma das maiores ameaças aos nossos valores mais tradicionais.

Em segundo lugar, as famílias mais pobres serão elas mesmas proprietárias de algo de valor reconhecido pelo mercado, o que pode facilitar sua entrada no sistema de crédito ou mesmo a quitação de débitos com instituições financeiras a partir da perspectiva de venda dos filhos.

Em terceiro lugar, enquanto a manutenção de um milhão e meio de crianças pobres nascidas por ano custa R$ 738 milhões (e que iriam se sobrepor a mais um milhão e meio de novas crianças a cada ano), minha proposta reverte tal gasto em um lucro de R$ 1.475 bilhão – que ainda teria a vantagem de circular no mercado interno e gerar mais riqueza.

Em quarto lugar, os produtores mais constantes, além do ganho de R$ 984 por ano (em média) por cada criança, ficariam livres dos gastos de criação pelos anos seguintes – do ponto de vista dos gastos públicos, haveria considerável economia nas pastas da Educação, Saúde e Segurança Pública, contribuindo para a responsabilidade fiscal da União, dos estados e dos municípios.

Em quinto lugar, o novo produto atrairia uma boa clientela aos restaurantes, o que certamente resultaria em um maior esmero por parte dos proprietários dos estabelecimentos e maior desenvolvimento das técnicas gastronômicas por parte dos já reconhecidos excelentes chefsque atuam no cenário brasileiro. O país, assim, poderia ser referência mundial no preparo deste tipo de carne, o que agregaria ainda mais valor ao produto, podendo até mesmo transformar o Brasil em uma espécie de Cancún da gastronomia, um destino internacional para os apreciadores de um bom prato.

Em sexto lugar, a medida também seria um incentivo ao casamento tradicional, de acordo com a verdadeira norma cristã, isto é, a união de um homem com uma mulher. Além disso, tais uniões acabariam sendo abençoadas com o maior cuidado das mães em relação às crianças, uma vez que estas são uma garantia de lucro futuro, o que levaria uma mentalidade empreendedora para o seio familiar. Os maridos, por sua vez, diminuiriam o tratamento violento dispensado às esposas – pelo menos durante a gravidez, uma vez que não é economicamente razoável, a bem dizer, maltratar sua fonte de lucro e perder um investimento.

Muitas outras vantagens poderiam ser enumeradas. Por exemplo, poderíamos reduzir o consumo interno de outras carnes que geralmente exportamos, como a bovina e a suína, uma vez que uma criança gorda de um ou dois anos assada pode oferecer um banquete digno até mesmo de autoridades da República, podendo inclusive ser servida a membros do corpo diplomático de um país amigo importante como os Estados Unidos. Mas as outras vantagens devem ficar para a discussão do público.

Tendo em consideração que há no Brasil cerca de 170 mil pessoas ricas, que poderiam consumir regularmente carne de crianças pobres, além de uma classe média significativa, que poderia consumir a iguaria em ocasiões especiais, particularmente em festas de casamento ou nos eventos de final de ano, e sabendo que a maior parte destes grupos está situada em São Paulo, é provável que uma fatia significativa desta nova produção – em torno de 60% – seja destinada àquele estado. Assim, o restante do país ainda teria a disponibilidade de cerca de 600 mil carcaças anuais, o que seria mais do que suficiente para abastecer um mercado razoavelmente exclusivo.

Eu não consigo pensar em uma objeção séria à presente proposta, a não ser que se argumente que seus números, sobretudo no que dizem respeito aos aspectos demográficos, estão equivocados. Entretanto, eu percorri os dados com bastante rigor antes de elaborar este plano. É preciso, de todo modo, considerar que o projeto dá conta apenas do caso brasileiro, e conta apenas com o mercado nacional, sem nenhuma dependência das relações impostas pelo Globalismo – o que, aliás, é outra das suas vantagens.

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Alan Santos/PR (Jantar na embaixada brasileira em Washington, EUA)

Enfim, eu não sou tão violentamente preso à minha própria opinião que não possa aceitar alguma proposta de alguém que tenha igualmente se dedicado ao tema, desde que a solução seja igualmente livre de vícios, barata, fácil e efetiva. Entretanto, antes que alguém alegue, em contrariedade ao meu projeto, que há solução melhor, peço que o suposto autor leve em conta dois pontos: 1) no estado atual do país e com a obrigação constitucional de manter o teto fiscal, como se pretende manter milhões de bocas famintas e carentes de trabalho? 2) como seria possível para a enorme quantidade de famílias vivendo em situação de pobreza e miserabilidade, tanto no campo quanto na cidade, ter acesso a crédito para suprir suas necessidades vitais, o que ultrapassaria a quantia de R$ 4 bilhões anuais? Peço, enfim, que os legisladores insatisfeitos com minha proposta perguntem aos pais das crianças pobres se eles não prefeririam ter vendido os seus filhos na idade correta para que servissem de alimento e, assim, ter evitado as cenas degradantes que somos obrigados a testemunhar diariamente, com a pobreza enfeando uma pátria tão conhecida por sua beleza.

Declaro, finalmente, que não possuo interesse pessoal na presente empreitada, sendo movido apenas por atender o interesse do país, aquecendo a economia, dando melhores condições de financiamento ao Estado brasileiro, aliviando os pobres e dando algum merecido prazer aos mais ricos. Apesar de ter uma esposa jovem, eu já não posso mais ser pai por meios naturais, e meu filho mais novo já passou da idade de servir de alimento, encontrando-se atualmente em intercâmbio estudantil nos Estados Unidos, em vista de uma carreira política no futuro.

Sem mais, Um Patriota.

(Versão de @Manejaco para o original de Jonathan Swift, de 1729)*

*Aproveite para ouvir nosso episódio #4 Distopia é ficção?

 

Link do post: www.passadorama.com/tilt/uma-proposta-modesta-para-salvar-o-brasil

Lista de filmes distópicos

Angélica Fontella

30/09/2018

Além dos maravilhosos filmes que indiquei no Passadorama #04 Distopia é ficção? – Eles Vivem (John Carpenter, 1988 – Filme); A Estrada (John Hillcoat, 2009 – Filme); Idiocracia (Mike Judge, 2006 – Filme) -, nossa adorada produção permitiu que eu publicasse uma lista de filmes distópicos. Por que essa lista existe? Quando estava me preparando para o programa e selecionando minhas indicações culturais, de repente, me vi com uma lista de quase 40 filmes sobre o tema…

Sem mais delongas, segue a lista, um pouco reduzida, mas toda comentada:

* O Juiz (1995)  / Judge Dredd (título original) – Diretor: Danny Cannon

Sinopse: Em um futuro distópico, Joseph Dredd, um famoso Juiz (um tipo de policial que tem o poder de julgar e condenar qualquer pessoa que cruze seu caminho) é condenado por um crime que não cometeu.

* Dredd: O juiz do apocalipse (2012)  / Dredd (título original) – Diretor: Pete Travis

Sinopse: Em um violento futuro distópico, em uma cidade futurística onde policiais têm autoridade para agir como juizes e executores de penas, um time tático é treinado para desarticular a gangue que trafica a droga SLO-MO.

*Minority Report: A Nova Lei (2002) / Minority Report (título original) – Diretor: Steven Spielberg

Sinopse: No futuro, uma polícia especial é capaz de prender assassinos antes que eles possam cometer os crimes. Tudo corre “bem”, até que um oficial se vê acusado de cometer um futuro assassinato.

Comentário:

O sonho daqueles que apoiam “soluções” inomináveis para a segurança pública. Vejam, por estes filmes, como armas e polícia são capazes de resolver todos os nossos problemas! #not Também colocam em cheque – pelo menos, no remake de Dredd – a política indiscutivelmente falida (até o FHC diz isso…) da “Guerra às drogas”.

* Expresso do amanhã (2013) / Snowpiercer (título original) – Diretor: Joon-ho Bong (as Bong Joon Ho)

 

snowpiercer 2.2.2.2.

Sinopse: Em um futuro não muito distante, um experimento para contenção das mudanças climáticas matou toda a vida do planeta. Sobreviveu quem conseguiu embarcar no trem, programado para dar voltas no globo, ininterruptamente, o Snowpiercer, onde aparece um novo [ha-ha-ha] sistema de classes.

Comentário:

É basicamente como vivemos hoje, mas ninguém aceita/enxerga/admite. Leiam essa matéria sobre o que as pessoas pobres dos interiores do Brasil têm comido: https://www.nytimes.com/2017/09/16/health/brasil-junk-food.html, sim, isso é equivalente a comer *spoiler*.

* Mad Max: Estrada da Fúria (2015)  / Mad Max: Fury Road (título original) – Diretor: George Miller

Sinopse: Em uma terra devastada e extremamente árida, num futuro pós-apocalíptico, uma mulher se rebela contra um governante tirano, na busca por sua terra natal, com a ajuda de um grupo de prisioneiras, de um psicopata fanático pelo sistema tirano e de um andarilho chamado Max.

Comentário:

Apenas aguardem, não vai demorar muito…

No ‘Planeta Água’, três em cada dez pessoas não têm acesso a uma fonte segura de água potável e 80% dos esgotos são despejados sem tratamento no ambiente

+

Enquanto as grandes florestas da Amazônia forem retalhadas e queimadas, enquanto for permitido que as terras protegidas dos povos tribais e indígenas sejam invadidas, nossas metas climáticas permanecerão inalcançáveis. E a p*rra do nosso tempo vai ter esgotado. Essa é A verdade“.

* A decadência de uma espécie (1990)  / The handmaid’s tale (título original) – Diretor: Volker Schlöndorff (Volker Schlondorff)

Sinopse: Em um futuro distópico, um sistema tirano político-religioso de direita obriga mulheres jovens a serem escravas sexuais por serem férteis, uma condição que se tornou rara. Com base no livro O conto da aia (1985) da escritora canadense Margaret Atwood.

Comentário:

Bem, estamos em 2018 e ainda acham que nosso corpo pertence a todos em grande parte do globo. Estupro nem sempre é visto como crime. Educação sexual nas escolas é “doutrinação gayzista” (sim, esses itens estão relacionados – como uma criança vai compreender se está sofrendo abuso ou não se ela nem sabe o que é isso? Leiam: http://quenemmocinha.com/o-que-e-educacao-sexual/). Aliás, determinadas mulheres “merecem ser estupradas”, dizem por aí.  Vocês realmente acham que estamos muito longe da história de Atwood?

* Interestelar (2014)  / Interstellar (título original) – Diretor: Christopher Nolan

Sinopse: Um time de exploradores viaja por um “buraco de minhoca” no espaço, para tentar encontrar uma forma para a humanidade sobreviver.

Comentário:

Sinopse alternativa: Já estragamos o nosso território aqui, a água está toda suja, praticamente irrecuperável, demoraria muito tempo para limpar… o solo está árido, infértil… demoraria muito tempo para recuperar… os animais são tratados como se estivessem a nossa disposição, nós decidimos quando matá-los, comê-los, para onde devem ser enxotados e de que maneira eles devem viver, o que os leva a extinção… O que podemos/devemos fazer? Já sei!!! Vamos procurar um outro lugar, mais ou menos igual, colonizá-lo e degradá-lo completamente, da mesma maneira que fizemos com a Terra, que acham? Ótima ideia! Partiu!

¯\_(ツ)_/¯

Eu não tenho dúvidas de que esse plano já está em curso.

* Blade Runner, o caçador de andróides (1982) / Blade Runner (título original) – Diretor: Ridley Scott

Sinopse: Um blade runner deve perseguir e exterminar quatro replicantes que roubaram uma nave no espaço e conseguiram retornar à Terra em busca de seu criador. Com base na obra de Philip K. Dick.

* Blade Runner 2049 (2017) (título original) – Diretor: Denis Villeneuve

Sinopse: Uma descoberta de um jovem blade runner o leva à procura do veterano Rick Deckard, que está desaparecido há trinta anos. Com base na obra de Philip K. Dick.

Comentário:

Vamos lá! Nos anos 1980, tínhamos robôs humanoides representando o sexo feminino e mulheres humanas que se vestiam com base no guarda-roupas sonhado por um homem hétero-cis muito solitário da época. Quase nos anos 2020, temos o quê? Muitos corpos femininos expostos, hologramas femininos construídos a partir dos sonhos (?) daquele mesmo homem solitário e um pouco desprezível.

Machismos a parte, a ideia central do filme e do remake/spin-off/follow-up é, basicamente: criamos esses robôs para a execução de tarefas que humanos não deveriam fazer, mas eles são capazes de sentir, pensar, sonhar… e até *spoiler*, que dilema [aham]! Possivelmente, era tudo uma alegoria de Philip K. Dick, para denunciar o tratamento que relegamos àqueles que não consideramos humanos.

Engraçado que não aprendemos nada com a indústria cultural, em breve, esse grupo dos não humanos (do qual, hoje, já fazem parte: negros, negras, mulheres, pobres, “traficantes” – essa grande ideia que a tudo abarca e que serve de desculpa para assassinatos em massa diários, sem grandes consequências – todos os habitantes de países subdesenvolvidos….etc.etc.etc., depende muito do referencial) vai se alargar ainda mais mesmo.

* Distrito 9 (2009) / Districto 9 (título original) – Diretor: Neill Blomkamp

Sinopse: Uma raça alienígena é obrigada a viver em condições equivalentes às de favelados/as na Terra. De repente, um agente do Estado é exposto à biotecnologia dessa raça e humano e alienígenas desenvolvem/descobrem uma afinidade.

Comentário:

Sim, outra alegoria para a luta de classes e tratamento precário e odioso contra pessoas consideradas menos humanas do que nós. Não, as pessoas não veem filmes, né? Se não, a gente já tinha virado esse jogo. Única explicação possível.

* Planeta dos Macacos: O Confronto (2014) / Dawn of the Planet of the Apes (título original) – Diretor: Matt Reeves

Sinopse: Uma nação de símios geneticamente evoluídos liderados por Caesar é ameaçada por um bando de humanos sobreviventes de um vírus devastador que foi liberado na década anterior.

Comentário:

Receita de sucesso:

1) Usar animais para experimentos científicos; cosméticos; genéticos; infecciosos

2) Relegar esses animais ao pior tratamento possível: após as sessões de tortura, eles ficam enjaulados e só conhecem os ambientes frios dos laboratórios

3) Algum experimento infeccioso de agentes biológicos dá errado e sai pela culatra na cara da humanidade que aprontou todo o experimento para começo de conversa

4) Uma das espécies de animais maltratados evolui, supera os humanos, dá um show de organização social, construção de laços comunitários e de solidariedade e de capacidade de autogestão 1000% sustentável

5) Os humanos sobreviventes tomam ciência desse maravilhoso estilo de vida e vão lá aprender com eles decidem que devem exterminar a espécie que está lá quieta, vivendo bem, sem incomodar ninguém, apenas porque sim.

NEM PARECE VEROSSÍMIL ISSO, NÉ? NEM METAFÓRICO. NEM ALEGÓRICO. E NÓS HUMANOS JAMAIS SERÍAMOS CAPAZES DE FAZER NADA PARECIDO, NÃO É MESMO?

* O Planeta dos Macacos (1968) / Planet of the Apes (título original) – Diretor: Franklin J. Schaffner

Sinopse: Um astronauta sofre um acidente aéreo (espacial?) e acaba em um planeta desconhecido onde símios inteligentes e falantes são a espécie dominante, enquanto os humanos são a espécie oprimida e escravizada

Comentário:

Esse filme é visionário em tantos níveis que eu sigo sem compreender como pode: meio século depois desse lançamento AINDA ESCRAVIZARMOS SÍMIOS E OUTROS ANIMAIS (zoológicos, aquários, circos…ABATEDOUROS). Certeza que nem todo mundo compreendeu a alegoria.

* O exterminador do futuro (1984)  / The terminator (título original) – Diretor: James Cameron

Sinopse: Um androide aparentemente indestrutível é enviado do futuro (2029 [tá chegando]) ao passado, 1984, para assassinar uma garçonete que será mãe do homem que vai liderar a humanidade em uma guerra contra as máquinas; ao mesmo tempo, um soldado dessa guerra também é enviado ao passado para proteger a moça, a qualquer custo.

Comentário:

Máquinas dominando o mundo: carros automáticos; empresas de tecnologia que estão a poucos passos de conseguirem ler nossos pensamentos, literalmente; dinheiro virtual; autoatendimento como meta ideal dessa fase cheirosa (fragrância estrume 3.0) do capitalismo (porque essa é uma ótima ideia #not).

Skynet vem aí. O mundo virtual já é preferência de grande parte das pessoas: quem poderia estar curtindo o mundo real? Nem a ricalhada está… não à toa, o consumo de drogas é alto nesses círculos. Lembram de um helicóptero cheio de cocaína que circulou por fazendas brasileiras aí durante um tempo? Certeza que seu destino não eram as consideradas “sarjetas” do país… Já previa Aldous Huxley, não é mesmo?

E desejo de aborto retroativo 3.0 (matar a mãe antes que ela possa engravidar) de líderes comunitários parece algo extremamente desejável para vários opressores no poder espalhados por aí. Embora eles consigam assassinar os/as próprios/as líderes depois de crescidos/as mesmo, sem consequências: #mariellepresentehojeesempre; Dorothy Stang; Chico Mendes; ativista Nilce de Souza Magalhães, em Porto Velho (RO); camponês Ivanildo Francisco da Silva, em Mogeiro (PB); indígena Clodiode Aquileu de Souza, em Caarapó (MS).

* A Ilha (2005)  / The Island (título original) – Diretor: Michael Bay

Sinopse: Um homem que vive em uma estéril colônia no futuro começa a questionar sua existência limitada, quando um amigo é escolhido para ir para a Ilha, o último lugar não contaminado da Terra. *Spoiler*: ricos vivem “para sempre” porque têm seus clones à disposição (na Ilha) para o caso de qualquer emergência médica – deu cirrose? Tira o fígado do clone e mata a cópia! Traumatismo craniano? Pega o cérebro do clone e mata a cópia! (;

Comentário:

Clonagens já estão em andamento no mundo científico há anos. Alguém duvida que os ricos e poderosos vão fazer exatamente como no roteiro de A Ilha? O que se busca nessa vida neoliberal individualista? Afastar-se da morte, da finitude, ao máximo. Que artifícios já existem para garantir esse afastamento? Não trabalhar escravamente – fazer com que pessoas pobres e desesperadas trabalhem escravamente para você – é estar mais próximo da vida eterna; ignorar que a maior parte das pessoas depende de sistemas públicos de saúde, saneamento e educação é fazer com que essas pessoas morram antes de você, de maneira relacional, isso também proporciona uma vida “mais eterna”… e por aí vai!

* Matrix (1999)  / The matrix (título original) – Diretoras: Lana Wachowski, Lilly Wachowski

Sinopse: Um hacker aprende sobre a natureza da realidade em que vive, quando entra em contato com rebeldes misteriosos que estão em guerra contra os controladores desse sistema.

Comentário:

Marx dá um sorriso em seu caixão toda vez que alguém entende Matrix e, consequentemente, a ideologia burguesa que a tudo captura e mitifica! Vejam o Cypher, por exemplo: o que ele mais deseja é esquecer de toda a realidade e voltar à vida de conformismo virtual e falaciosa que só a ideologia burguesa pode proporcionar. Para mim, é a personificação do glorioso “pensar dói”.

* Uma noite de crime (2013) / The purge (título original); Uma noite de crime: anarquia (2014) / The purge: anarchy (título original); 12 Horas para Sobreviver: o ano da eleição (2016) / The purge: election year (título Original) – Diretor: James DeMonaco

Cada sequência mostra um aspecto e um momento desse projeto.

**”Conter”, nesse contexto, significa: as pessoas têm 12h para dar vazão a todos os seus sentimentos ruins e se as empresas de segurança privada, cofres, etc. ganharem algum dinheiro com isso, é uma consequência inesperada; se a violência policial nos bairros pobres permanecer inalterada, também é um problema de outra frente; se essas 12h forem aproveitadas para assassinar lideranças comunitárias, a culpa não é do projeto, mas dessas pessoas que tiveram essa ideia; se apenas as pessoas ricas conseguem se proteger nessas 12h, é porque as pessoas que não têm esse dinheiro não trabalharam o suficiente para conseguirem se proteger também, afinal, basta querer que você também vai conseguir adquirir equipamentos de segurança que custam o equivalente a cinco helicópteros: É. SÓ. QUERER.

Comentário:

Temos um candidato à presidência (#EleNão #EleNunca #OsFilhosDeleTambémNão) que só não inseriu essa ideia em seu programa, porque seus eleitores/as não devem gostar de cinema que faz pensar (de novo, pensar dói).

* O preço do amanhã (2011)  / In time (título original) – Diretor: Andrew Niccol

Sinopse: No futuro, as pessoas param de envelhecer fisicamente aos 25 anos de idade. Contudo, são geneticamente modificadas para viverem apenas mais um ano. Ou seja, havendo “dinheiro”, você conseguirá viver o tempo que quiser com a aparência de um/a jovem. Um jovem pobre, menor de 25, encontra um homem rico que já vive há cerca de um século e se vê acusado de assassiná-lo. Isso desencadeia um entendimento global desse sistema e um desejo de lutar contra ele.

Comentário:

A grande sacada desse filme, também completamente marxista, é: não há dinheiro nesse mundo, há tempo. Seu salário vem em minutos ou horas e os ricos têm anos de vida guardados em bancos.

“Não é nossa culpa / Nascemos já com uma bênção / Mas isso não é desculpa / Pela má distribuição / Com tanta riqueza por aí, onde é que está / Cadê sua fração / Com tanta riqueza por aí, onde é que está / Cadê sua fração / Até quando esperar…” 

Referência: 

https://www.imdb.com/

 

Link do post: www.passadorama.com/tilt/listadefilmesdistopicos

Não é descaso, é agenda

Angélica Fontella

02/09/2018

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Vitor Abdala/Agência Brasil/Agência Brasil

Antecipamos o lançamento do Tilt, para tentarmos dar conta de tudo que estamos sentindo diante das perdas inestimáveis decorrentes do incêndio no Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Não deixem que distorçam a realidade a partir do incêndio que está devorando o Museu Nacional da UFRJ. Não é culpa da administração da universidade nem de um Estado falho/corrupto/burocrático. Nosso problema é a agenda predominante de interesses do nosso sistema ocidental, composta por um objetivo único e imutável: fazer de tudo para lucrar cada vez mais.

Nossos governos todos (em maior ou menor grau, desde sempre) assinaram embaixo dessa agenda. Uma agenda de corte na cultura, na educação, nos direitos sociais… Corte de tudo que não gera lucro rápido e fácil. O único resultado possível dessa prática é a destruição da nossa história, provocada pelo total descaso/desinteresse com a nossa cultura, com nossos pesquisadores e pesquisadoras de todas as áreas, com nossos professores e professoras, com nossos milhares de alunos e alunas.

Chorar pelo Museu é chorar por todos os cortes provocados e impostos por essa agenda, cortes esses que geram fome, pobreza, humilhações, assassinatos, violências diversas…

Nesse caso específico, era um acervo de milhões de peças únicas da História Brasileira e de outras partes do mundo e, provavelmente, foi tudo perdido. Temos vários outros museus em situações piores ou similares.

Vamos, pelo menos, procurar votar em quem se importa DE VERDADE com cultura? Escolher alguém que votou contra a PEC do teto, por exemplo, já é um bom começo – https://public.tableau.com/views/Painel_VotoRetr/Painel1?:embed=y&:display_count=yes&publish=yes&:toolbar=no&:showVizHome=no.

Aviso importante: quem é a favor de “mercado” e neoliberalismo é automaticamente CONTRA a cultura, CONTRA nossos professores e professoras, CONTRA nossos pesquisadores e pesquisadoras e CONTRA nossos alunos e alunas. Só para registrar.

 

*Aproveito para reproduzir a nota dos alunos e alunas de Museologia da UNIRIO:

Diante da tragédia desta noite (02/09/18), os estudantes do curso de Museologia da UNIRIO estão se mobilizando para preservar a memória do Museu Nacional, pedimos a todes que possuírem imagens (fotografias / vídeos / até selfies) do acervo e dos espaços expositivos que compartilhem conosco, enviando para o e-mail: thg.museo@gmail.com.

 

Link do post: https://passadorama.com/tilt/nao-e-descaso-e-agenda/

No Solo/Jones/Deckard, confiamos

Angélica Fontella (tradução)

16/09/2018

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Harrison Ford

Ator & Ativista

Parem, pelo amor de Deus, a degradação da ciência. Parem de dar poder a pessoas que não acreditam na ciência. Ou, pior do que isso, que fingem não acreditar na ciência em função dos seus próprios interesses. Elas sabem quem são. Nós sabemos quem são.

Nós vamos todos, ricos ou pobres, poderosos ou impotentes, nós vamos todos sofrer os efeitos das mudanças climáticas e da destruição do ecossistema. E nós estamos enfrentando o que está rapidamente se transformando na maior crise moral do nosso tempo. Em que aqueles menos responsáveis vão sofrer as maiores consequências. Então, nunca esqueça por quem você está lutando.

É pelos pescadores da Colombia. Pelo pescador da Somália, que se pergunta onde estará a sua próxima pescaria e se pergunta porque o governo não consegue protegê-lo. É pela mãe, nas Filipinas, que se preocupa se a próxima grande tempestade vai arrancar seu bebê de seus braços. É pelas pessoas daqui mesmo, na Califórnia, que estão fugindo de incêndios sem precedentes. Pessoas na Costa Leste estão enfrentando as piores tempestades já registradas na história. São nosso próprio país, nossa própria comunidade, nossas próprias famílias.

Eu imploro a vocês: não se esqueçam da natureza. Porque, hoje, a destruição da natureza é responsável por maiores emissões globais do que todos os carros e caminhões que existem no mundo. Nós podemos colocar painéis solares em cada casa, transformar cada carro em veículo elétrico, mas enquanto Sumatra queimar, nós falhamos. Enquanto as grandes florestas da Amazônia forem retalhadas e queimadas, enquanto for permitido que as terras protegidas dos povos tribais e indígenas sejam invadidas, nossas metas climáticas permanecerão inalcançáveis. E a p*rra do nosso tempo vai ter esgotado. Essa é A verdade.

Se estamos destinados a sobreviver nesse planeta, o único lar que todos nós vamos conhecer para o nosso clima, para a nossa segurança, para o nosso futuro, nós precisamos da natureza. Agora, mais do que nunca. A natureza não precisa de pessoas. As pessoas precisam da natureza. Então, vamos desligar os nossos celulares, arregaçar as nossas mangas e vamos chutar o rabo desse monstro.

Fonte: NowThis, “Harrison Ford Urges America To Do More To Address Climate Change”. Disponível em: https://bit.ly/2NNnbyB

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